A cidade adormecida
no coração do poeta,
entre pregões matinais,
subitamente desperta.
Por trás da Serra Vermelha,
nasce a manhã, nas levadas,
na solidão das salinas,
nas águas envenenadas.
Maçaricos alçam vôo,
nas várzeas de pirrixiu.
Pescadores solitários
Pescam o silêncio do rio.
Num bosque de mata-pasto,
Atrás de Amaro Besouro,
Desabrocha o fumo-bom,
Em finos cálices de ouro.
Calafates calafetam
velhos barcos irreais.
Moinhos movem os ventos
nas tardes do nunca mais.
O sol se pondo na barra,
entre mangues e canoas,
põe rebrilhos de vidrilhos
nas marolas das gamboas.
A noite cai. Cães vadios
ladram na rua, à distância.
Deslizam sombras esquivas
nas esquinas da lembrança.
Todos os que se mudaram
para o outro lado da vida
e dormem, no cemitério
da cidade adormecida.
Vêm a mim, me cumprimentam,
me comovo ao recebê-los.
Baila uma fina poeira,
em torno de seus cabelos.
Converso com Pum-na-Guerra,
Fumo-bom e Baranhaca.
Abraço Maria-mole,
Ciço Cabelo-de-vaca.
Passo no Canal do Mangue,
vou à Fuzarca, à Favela.
Na Rua da Frente há moças
Debruçadas nas janelas.
D. Adelina me argüi
na tabuada, o ABC.
Começa tudo de novo,
pela estrada do aprender.
Ouço as valsas da Água-doce,
nas tardes de antigamente.
Entre bois e pastoris,
sou menino novamente.
As ruas se embandeiraram,
há lanternas pelas portas,
São João acorda, entre o riso
de pessoas que estão mortas.
Os pés do poeta vão
nessas ruas do sem-fim.
O tempo não conta mais,
partiu-se, dentro de mim.
Nesse burgo de lembranças,
guardado pela memória,
minha vida se inicia,
recomeça minha história.
Deífilo Gurgel
Do livro: "A Poesia Norte-Rio-Grandense no Século XX" - FUNCART/Imago, org. Assis Brasil, 1998, RJ.
Um lenda,um acalento. . . Não sei se é verdade. . . e não me importo com isso. Não precisa ser. . . . Foi há muito tempo atrás. . . depois do mundo ser criado e da vida completá-lo. Num dia, numa tarde de céu azul e calor ameno. Um encontro entre Deus e um de seus incontáveis anjos. Acredita? Deus estava sentado, calado. Sob a sombra de um pé de jabuticaba. Lentamente sem pecado, Deus erguia suas mãos então colhia uma ou outra fruta. Saboreava sua criação negra e adocicada.Fechava os olhos e pensava. Permitia-se um sorriso piedoso.Mantinha seu olhar complacente. Foi então que das nuvens um de seus muitos arcanjos desceu e veio em sua direção. Já ouviu a voz de um anjo? É como o canto de mil baleias. É como o pranto de todas as crianças do mundo. É como o sussurro da brisa. Ele tinha asas lindas. . . brancas, imaculadas. Ajoelhou-se aos pés de Deus e falou: ? Senhor. . . visite...
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