Capítulo nove do Livro " O MENINO DO DEDO VERDE" - Maurice Druon No qual os sábios nada descobrem, mas o próprio Tistu faz uma descoberta.
As pessoas grandes têm a mania de querer, a qualquer preço, explicar o inexplicável.
Ficam irritadas com tudo que as surpreende. E, logo que acontece no mundo algo novo, obstinam-se em querer provar que essa coisa nova se parece com outra que já conheciam há muito tempo.
Se um vulcão se extingue calmamente como um cigarro, eis logo uma dúzia de sábios com lunetas debruçando na cratera, escutando, cheirando, descendo por meios de cordas, esfolando os joelhos, enchendo tubos de ar, fazendo gráficos, discutindo, em vez de constatar simplesmente: "Este vulcão parou de fumegar; deve estar de nariz entupido!"
Afinal, será que já chegaram um dia a explicar como é que vulcões funcionam?
O mistério da cadeia de Mirapólvora forneceu às pessoas grandes um bom pretexto para se agitarem.
Os jornalistas e fotógrafos foram os primeiros a chegar, pois é esta a sua profissão. Ocuparam imediatamente todos os quartos do Hotel dos Embaixadores, o único da cidade.
Em seguida acorreram de toda parte, de trem, de avião, de táxi e até de bicicleta, os sábios que se chamam botânicos e que se dedicam a esquartejar as flores, dar-lhes os nomes mais difíceis e fazê-las secar entre mata-borrões, para ver quanto levam até perder o colorido.
É uma profissão que requer muitos estudos.
Quando os botânicos se reúnem, eles formam um congresso. Havia, portanto, em Mirapólvora um congresso de botânicos. Mas se existe uma infinita variedades de flores, em compensação só conhecemos três espécies de botânicos: os botânicos ilustres, os botânicos afamados e os botânicos eminentes. Eles se cumprimentam chamando-se: "Senhor... Senhor Professor... Meu prezado confrade..."
Como o hotel estava repleto de jornalistas que se recusavam a deixá-lo, foi necessário instalar um acampamento na praça principal, Parecia um circo. Mas bem menos divertido.
Tistu vivia ansioso.
- Se descobrem que fui eu - segredou ao Bigode - vai ser um Deus nos acuda...
- Não te preocupes - respondeu o jardineiro.
- Essa gente não sabe fazer nem mesmo um buquê.
Aposto os meus bigodes como nada descobrirão!
Com efeito, ao cabo de uma semana, durante a qual examinaram a lente cada flor e cada folha, os sábios continuavam na mesma.
As flores da cadeia não passavam de flores iguais às outras, era preciso reconhecer; sua única extravagância era terem terem crescido numa noite. Então os sábios começaram a discutir, acusando-se uns aos outros de mentira, fraude e ignorância. E então o acampamento ficou igualzinho a um circo.
Mas um congresso deve sempre terminar com declaração oficial. Os botânicos, portanto, acabaram redigindo a sua, cheia de palavras em latim, para que ninguém pudesse entender; falaram de condições atmosféricas particulares, de passarinhos que teriam deixado cair as sementes, e da excepcional fecundidade dos muros da cadeia, resultante de certo uso que os cães de Mirapólvora faziam deles. Em seguida foram embora para um outro lugar onde haviam descoberto uma cereja sem caroço, e Tistu recuperou a antiga tranquilidade.
E os prisioneiros no meio disso tudo? Vocês devem estar com vontade de saber o que pensavam a respeito.
Pois fiquem sabendo que a surpresa, agitação e emoção dos botânicos nada foram em comparação com o deslumbramento dos prisioneiros.
Como já não viam grades em suas celas, nem arame farpado ou pontas de ferro sobre os muros, esqueceram-se de fugir. Os mais resmungões pararam de reclamar, tão entusiasmados estavam em contemplar o que os cercava; os maus perderam o costume de zangar-se e brigar. A madressilva que brotava nas fechaduras impedia às portas que fechassem, mas os próprios ex-prisioneiros recusaram-se a ir embora, tal o gosto que tomaram pela jardinagem.
E a cadeia de Mirapólvora foi apontada como modelo em todo mundo.
Quem ficara mais contente? Tistu, é claro. Ele triunfava em segredo.
Mas cansa guardar um segredo.
Quando a gente está feliz, sente vontade de dizê-lo e até mesmo de gritá-lo. Ora, Bigode nem sempre dispunha de tempo para ouvir as confidências de Tistu.
Assim ele se acostumou, quando sentia o peso do segredo, a ir conversar com o pônei Ginástico.
As orelhas do Ginástico eram forradas de um belo veludo bege, muito macio. Tistu, ao passar, gostava de dizer-lhe algumas palavras.
-Ginástico, escuta bem o que vou te dizer então repete a ninguém - disse Tistu certa manhã ao encontrar-se com o pônei.
Ginástico mexeu com a orelha.
- Descobri uma coisa extraordinária - disse Tistu em voz baixa. - As flores não deixam o mal ir adiante.
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